e n t r e v i s t a

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E N T R E V I S T A

 13.11.2025

João Gustavo e a luta pela preservação das abelhas na Bacia do Jacuípe e Sisal

 

As turmas de 1º Ano do Ensino Integral do CETI Maria Dagmar Miranda receberam o colega do 2º Ano B Parcial para um bate-papo sobre abelhas. Foi uma tarde de descobertas e aprendizado que o público agora também pode fazer, acompanhando a conversa com o jovem defensor da preservação das abelhas e especialmente das espécies nativas. 

 

 

TURMA: Quando você passou a se interessar pelas abelhas? Não era perigoso para sua idade?

JOÃO GUSTAVO: Sempre gostei de qualquer tipo de animal, desde pequeno. Esse interesse foi a partir de um amigo que já criava abelhas sem ferrão. Comecei a estudar, pesquisar. Acabei adquirindo e desenvolvendo a criação.

Eu tinha 10 a 11 anos. No começo, não tinha muito perigo, porque as espécies nativas do Brasil possuem uma característica que, ao longo da evolução, o ferrão delas foi atrofiado, então, elas não têm a capacidade de ferroar. Algumas espécies mais populosas têm característica mais agressiva, porém, não oferecem riscos a pessoas que têm alergias, é apenas uma mordiscada, tipo mordida de formiga, então, basta a pessoa lidar.

TURMA : Seus pais se preocupavam com essa sua lida com as abelhas, desde cedo?

JOÃO GUSTAVO: No começo, meus pais realmente reclamavam, não queriam, lá em casa, porque eu tinha irmãos pequenos, mas, depois de um pouqinho de conversa, acabaram liberando.

Eu já tinha visto na internet, falando sobre as abelhas, só que eu nunca tinha visto de perto. Também pensava que, na região, era difícil, impossível, até que vi um conhecido bem próximo que tinha essas abelhas, estava começando também. Logo depois disso, criei interesse, comecei a pesquisar mais e, logo depois, comecei também.

TURMA: É verdade que as abelhas correm o risco de desaparecer?

JOÃO GUSTAVO: Na verdade, as abelhas realmente estão sumindo. Na questão das abelhas apis mellifera, que acho que são as que todo mundo conhece, são aquelas amarelas e pretas que tem em todo lugar, o pessoal vê em flores e até em refrigerante, que são do gênero apis. É uma abelha africanizada, possui ferrão. Essa abelha não é nativa do nosso país, foi trazida de fora, há uns 300 anos. Ela tem pouco tempo, aqui no Brasil, só que se popularizou.

No Brasil, nós temos espécies de abelhas nativas, elas têm o ferrão atrofiado, estão adaptadas à nossa região. Elas sofrem com o impacto (ambiental) muito mais do que as próprias apis mellifera. Elas precisam principalmente de plantas nativas da região para coletar alimento, tanto néctar quanto pólen, e uma característica diferente da apis mellifera é que a maioria das espécies de abelhas nativas sem ferrão necessitam de um oco para edificar.

As abelhas apis mellifera você vê arranchadas em um galho de árvore. Em qualquer tipo de local elas conseguem edificar. As nossas abelhas nativas necessitam do oco de uma árvore. Necessitam de ocos que, numa árvore, na natureza, levam de mais 50 anos para se formar. Então, com o desmatamento, acaba tendo árvores cada vez mais jovens, impossibilitando a formação de ocos e a edificação dessas abelhas.

Então, a melhor forma de preservá-las é evitar o desmatamento e evitar a desinformação. Muita gente acaba destruindo essas abelhas por desinformação, não sabe o que é. Pensa que é uma vespa, um maribondo, que oferece algum risco e acaba destruindo essas abelhas. Outro ponto, também, é sempre estar preservando e plantando outras plantas, tanto para oferecer alimento como para futura moradia dessas abelhas.

TURMA: As abelhas sem ferrão produzem mel?

JOÃO GUSTAVO: Sim, igualmente às abelhas apis mellifera, agora assim, tem uma característica de diferença. Quando a gente fala de abelhas nativas, em geral, a gente não está falando só das abelhas sem ferrão. As abelhas nativas têm a divisão entre abelhas solitárias, abelhas eussociais e abelhas sociais. As abelhas solitárias são aquelas que fazem o ninho sozinhas. Uma fêmea copula com um ou mais machos, vai na flor, pega o alimento e contrói o ninho sozinha, dando origem a alguns indivíduos. Depois, ou ela morre ou ela faz um ciclo de reprodução. As eussociais são várias gerações de abelhas, dentro de um único local, porém, cada fêmea tem sua divisão e as abelhas sociais são abelhas que têm divisões de castas. Então, elas têm divisão de rainha, zangão, operárias. Essas abelhas, sim, elas estocam o mel para poder alimentar toda a colônia, então, elas produzem mel, igualmete às abelhas apis mellifera, são abelhas sociais.

TURMA: As abelhas que você tem em casa produzem mel?

JOÃO GUSTAVO: No momento, não, porque meu foco agora é aumentar meu plantel. Então, eu quero pegar uma colônia, deixar ela forte, a ponto de eu conseguir fazer outra colônia dela, de uma colônia fazer duas. Então, se eu colher esse mel, ela não vai conseguir se estabilizar, depois de eu fazer esse procedimento. Então, meu foco agora é reproduzir as abelhas, fazer mais colônias.

TURMA: Como começar a criar abelhas?

JOÃO GUSTAVO: Por conta do desmatamento, em específico, na nossa região, acaba deixando mais difícil para a gente começar a criar as abelhas sem ferrão. Em outros locais do Brasil, as pessoas indicam muito fazer o chamado recipiente isca. A enxameação das abelhas sem ferrão é um pouco diferente das apis mellifera. Você prepara um oco. Você utiliza uma garrafa pet, envolve ela com um isolante térmico. Geralmente, o pessoal usa papel, papelão, para ter uma isolação térmica e imitar realmente um oco na natureza e envolve com algum plástico, de preferência preto, para proteger contra a chuva e contra a luminosidade.

Esses recipientes, às vezes, a gente gosta de passar um atrativo dentro que é nada mais, nada menos que estruturas da colônia: cera, própolis, gel própolis diluído em álcool. A gente passa dentro para imitar que naquele oco já houve uma colônia antigamente. Isso facilita a edificação das abelhas. Você vai colocar numa árvore grossa, no meio da mata. Lá vai acontecer o quê? Uma enxameação. Um enxame na natureza, já forte, no local onde ele está, não vai mais caber abelha. Vai chegar um momento em que ele vai precisar se reproduzir. Então, as abelhas vão buscar um novo local, vão preparar nesse local, vai ser recebida uma princesa, filha da outra colônia.

TURMA: Todo o seu tempo é dedicado às abelhas? Esse é seu projeto de vida?

JOÃO GUSTAVO: No momento, eu não tiro todo o meu tempo para isso. Eu venho para o colégio, trabalho. Então eu aproveito minhas horas vagas para poder ficar mexendo nas abelhas. Final de semana, às vezes, num intervalo de tempo, entre o trabalho e a aula, dá para fazer uma verificação rápida nas abelhas.

Volta e meia a Brigada Voluntária Anjos Jacuipenses é chamada para retirar abelhas de áreas residenciais. Você já participou de alguma ocasião como esta?

Nunca participei de nenhum incidente, também, meu foco não é a apis mellifera, não foco muito nas abelhas com ferrão. Tratando-se da apis mellifera, aqui para o Brasil, foram trazidas duas subespécies diferentes. Em 1600, mais ou menos, foi trazida a subespécie europeia: apis mellifera mellifera. Ela foi trazida para o Brasil por ser uma subespécie mais mansa, não prouduz tanto mel. Foi trazida no intuito de produzir cera para fazer velas para as missas.

Só que nos anos 1900, um pesquisador foi inventar de trazer 10 colônias da subespécie africana, uma abelha mais agressiva, porém, mais produtora de mel. A subespécie europeia ficava mais no Sul, porque ela gosta mais de frio, então, não se espalhou no Brasil todo. Quando esse pesquisador trouxe as outras abelhas, ele prendeu as rainhas para elas ficarem naquelas únicas caixas. Uma dessas rainhas escapou, começaram a se reproduzir, começaram a hibridizar com a subespécie euroeia que estava aqui presente no Brasil e isso acabou gerando uma subespécie nova híbrida que os pesquisadores apelidaram de abelhas africanizadas. São abelhas extremamente adaptadas ao nosso clima do Brasil e acabaram se espalhando por toda a América. Hoje elas já existem aqui, no Brasil, e em diversos outros países.

As apis mellifera, quando a colônia está muito populosa, muito cheia, elas também fazem aquele processo de enxameação, só que de uma forma diferente. Nas abelhas sem ferrão, elas demoram, procuram ovo, produzem, preparam, até a princesa ir e, depois que a princesa vai, a colônia mãe ainda fica ajudando um tempo. No caso das apis mellifera, é diferente. Quando a colônia está muito forte, a rainha simplesmente abandona uma parte das abelhas, deixa a colônia órfã. Elas vão produzir uma nova rainha, ou nasce uma princesa, quando elas produzem. As duas brigam (a rainha e a princesa), por feromônios. Uma das duas vai embora com uma parte das abelhas, deixa a outra lá. Essa princesa que sai ou que fica é fecundada por um macho e começa a fazer a postura no novo local (se for o caso).

TURMA: Existe alguma ação governamental para proteger as abelhas, em Riachão do Jacuípe?

JOÃO GUSTAVO: No momento, não tem nenhum órgão ambiental para proteção das abelhas, em nossa região. Tem um grupo criado por mim e mais dois amigos, há uns quatro anos, mais ou menos, que a gente apelidou de Meliponicultura Regional. A gente trata das abelhas aqui da Bacia do Jacuípe e da Região do Sisal. O grupo hoje conta com 72 pessoas e a gente faz a proteção dessas abelhas, divulga, ajuda em manejo, sempre tendo um diálogo, lá dentro.

TURMA: Os ichus também são abelhas?

JOÃO GUSTAVO: O que a gente chama de ichu são espécies de vespas. Então existem as vespas solitárias. Um exemplo de uma vespa solitária muito comum é a cavalo do cão, que se alimenta da aranhas, e existem vespas sociais, que são aquelas que fazem a casinha.

TURMA: As vespas sociais produzem mel?

JOÃO GUSTAVO: Como as abelhas, não. Elas acabam estocando um pouquinho de néctar para consumir como alimento energético, mas, o foco delas é mais alimento proteico.

TURMA: Como diferenciar as abelhas com e sem ferrão, se são muito pequenas?

JOÃO GUSTAVO: A diferença de uma abelha com ferrão para uma sem ferrão é muito grande, pois são espécies diferentes. Geralmente, se ela entrar numa garrafa de 2 litros, que é a garrafa que o pessoal mais usa para fazer isso, com certeza é uma abelha sem ferrão, porque para a abelha apis mellifera é muito difícil entrar em um local tão pequeno. As abelhas sem ferrão mais comuns daqui, da região, a gente vai ter a jataí, que é uma abelha bem pequenininha. Olhando assim, parece uma muriçoca. Se, por ventura, for alguma abelha maior, vai ser a mandassaia ou a manduri.

TURMA: Como fazer, quando as abelhas começarem a chegar ao oco artificial que a pessoa criou?

JOÃO GUSTAVO: A partir do momento que você identificar que tem abelha entrando no oco com a isca que você fez, o correto é deixar de 35 a até 60 dias. Nesse período, as abelhas vão terminar de construir. A princesa vai chegar, vai começar a fazer a postura e ela vai perder a dependência da colônia mãe. Nesse período, a colônia já está formada. Depois disso, você pode levar para casa, de preferência, a mais de 2 Km de distância, para as campeiras não voltarem e fazer a transferência para a caixa racional.

TURMA: E se não for iniciar a criação pelo recipiente isca, como é que se faz?

JOÃO GUSTAVO: Você não pode chegar na natureza. Vamos supor: eu achei uma colônia de alguma espécie de abelha sem ferrão, numa roça. Você não pode cortar o oco e passar para uma caixa. Isso é considerado crime ambiental. Foi uma lei sancionada em 2019 para proteção dessas abelhas (LeiNº 11.077, de 27 de novembro de 2019). As únicas maneiras legais de conseguir são três: ou o recipiente isca, ou você compra de criadores, ou se você já tiver uma colônia, você consegue fazer divisões.

TURMA: O que é a caixa racional?

JOÃO GUSTAVO: Caixa racional é uma caixa de mandeira em que a gente coloca as abelhas. Geralmente a gente escolhe um padrão de tamanho, de volume interno que mais se adapta à espécie. Então, tem espécie de abelha sem ferrão que se adapta a um volume de 200 ml. Por outro lado, tem espécies que conseguem ocupar um espaço de até 20 l.

TURMA: Qual o melhor local para a criação?

JOÃO GUSTAVO: O melhor local para criar é de preferência um que tenha saída aberta para elas poderem buscar as flores, que seja protegido de sombra, sol e chuva.

TURMA: Você planeja fazer da produção de mel sua fonte de renda, futuramente?

JOÃO GUSTAVO: Talvez, sim. Hoje em dia, o mel das abelhas nativas é um produto muito mais valorizado do que o mel da apis mellifera que é aquele famoso mel que a gente conhece como mel de italiana. O mel das abelhas com ferrão tem muito menor quantia de água (é um mel muito mais denso) e com maior quantidade de açúcar. O mel das abelhas sem ferrão é mais líquido e tem menos açúcar. Por isso, ele é muito valorizado na culinária. O pessoal usa para fazer salada. Até para consumir como fator medicinal. Cada espécie tem uma característica medicinal diferente no seu mel. A questão do valor: por serem abelhas menores, ou muito menos populosas (por exemplo, a maior abelha social que a gente tem, aqui na região,é a mandassaia, ela chega a ser quase do tamanho da abelha com ferrão – um milímetro de diferença – só que ela é mais robusta). Só que se você for procurar os indivíduos, a quantidade de abelhas em uma colônia, a mandassia chega, no máximo, a 3.500 abelhas, numa colônia. A apis mellifera (abelha com ferrão) pode passar de 80.000. Então, por isso, a produção dela é muito maior. Pode produzir 11 a 12 quilos de mel, numa temporada, fácil. Uma mandassaia vai produzir, no máximo, de 1 a 3 litros por ano. Justamente por isso, é muito mais valorizado. Enquanto 1 litro de mel de apis mellifera varia de R$ 35,00 a R$ 50,00, um litro de mel de mandassaia chega a R$ 200,00 ou R$ 300,00 muito fácil.

TURMA: Você acredita que o potencial de produção de mel, em Riachão do Jacuípe, tem sido bem aproveitado?

JOÃO GUSTAVO: Na região temos muitos apicultores. Pessoas que criam abelhas com ferrão. Muitos não conhecem, ou nunca tentaram criar as abelhas sem ferrão. Infelizmente nossa região foi muito desmatada. Na nossa região, é difícil começar, porque, enquanto em outros locais você tem tantas abelhas. Por exemplo, um centro urbano, como Feira de Santana: Lá foi muito desmatado, só que o pessoal não buscava essas abelhas. Nessa situação, as abelhas se adaptaram ao meio urbano. Em Feira de Santana, você vê muita jataí.

Aqui, em nossa região, todas estas abelhas o pessoal buscava muito, o pessoal mais velho desmatava muito, por conta do mel, de vender. Então, o pessoal hoje acha uma abelha, corta, tira o mel e deixa a bichina para morrer. Diferente das apis mellifera, elas não conseguem sair do local. A partir do momento que elas nidificaram, quando você corta o oco para tirar aquele mel, a colônia dela morre ali. A rainha dela, diferente da apis mellifera também, não tem capacidade de voar.

TURMA: É verdade que você encontrou uma colônia de abelhas sem ferrão na área do Colégio?

JOÃO GUSTAVO: Um amigo meu, ex-aluno (do CETI Maria Dagmar Miranda) me comentou que tinha duas colônias, aqui, no colégio. Um dia, eu estava andando, acabei achando essas abelhas, lá na quadra. Então, as abelhas acabaram se adaptando ao meio urbano. Nosa região foi toda desmatada. Essas abelhas que estão aqui foram de um criador, Narciso, que morava aqui perto, começou a criar essas abelhas, deixou um tempo, elas acabaram enxameando e os enxames se espalharam aqui, na região.

TURMA: O que você considera importante dizer para as pessoas, além do que lhe foi perguntado?

JOÃO GUSTAVO: É a importância da preservação das abelhas. Não sei se todo mundo sabe, mas, cerca de 70 a 80% do prato que a gente almoça vem da polinização das abelhas. Albert Einsten dizia que, se todas as abelhas sumissem do mundo, a humanidade teria apenas qautro anos de vida. Então, nossa mata nativa, nossa agricultura, tudo o que nós construímos depende desses pequenos insetos que são os maiores polinizadores do mundo.